Por Marcelo Soares
A chuva caía como lágrimas de algum Deus tristonho. David sabia que seus momentos finais estavam chegando. A mão trêmula segurando um canivete, enquanto se ancorava no muro de uma rua qualquer da cidade, denunciava seu fim. Afinal, em tantos anos, nunca tremera ao segurar uma arma. A sua mente tentava animá-lo, dizendo que era só por causa da perda de sangue, fruto de um corte na barriga, por conta de um capricho de uma faca bem afiada. Porém, ele não é idiota, pensou, enquanto as gotas de chuva lhe atrapalhavam a visão, sua hora havia chegado e nem reza brava para algum dos santos de sua mãe o salvaria.
O olhar se mantinha atento aos movimentos de seus dois prováveis executores, velhos amigos de infância: Bruno e Roberto. Ainda se lembrava do tempo em que jogavam bola juntos. Agora são seus assassinos, só porque ele dera para trás em um assalto, e acabou que o Raimundo, o quarto mosqueteiro, fora preso. Eles o culpavam por isso.
- Vai fazer o que agora, “irmãozinho”? – perguntou Bruno, segurando a faca com sangue que, minutos antes, furara a barriga do ex-amigo.
Ele tinha razão. Dois contra um, ainda mais ferido e fraco a cada segundo.
- É, pena chegarmos a esse ponto, não é? – retrucou David.
Por um instante, tudo parou. Os olhares se encontraram, e David sabia que era o momento decisivo. Com um grito de fúria, ele partiu para cima de Bruno, levando o pequeno canivete em um movimento rápido para dentro do olho direito do antigo amigo. O grito de dor de Bruno ecoou pela rua; sua única reação foi enfiar a faca com toda a força mais uma vez na barriga do amigo, dessa vez, mais para o lado esquerdo, acertando um ponto intacto até então.
Roberto só apreendeu o acontecido quando David caiu no chão, com a faca presa ao corpo, se encaminhando para a morte. Bruno gritava como louco, após tirar o canivete do olho e, como uma besta enfurecida, agora provavelmente cego, pegou o canivete e enviou-o aleatoriamente no corpo caído na rua.
- Seu desgraçado! – gritou Bruno, enfurecido.
- Pára, cara, vamos embora, já foi - interrompe Roberto, segurando-o.
Os dois pararam de falar e olharam por um momento para o amigo morto. Bruno retira a faca presa no corpo e sai caminhando, sendo seguido pelo companheiro de crime. O sangue corre, misturando-se com a água da chuva. Nenhum santo apareceu, e uma mãe iria chorar na manhã seguinte.
Conto publicado no Farrazine #12 - Leia online aqui ou baixe-o aqui
sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011
SANGUE E REZA - Contos do Farrazine
05:15
rdelton!
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