Camila
Camila. Deitada na cama, rodeada de bugigangas: bichinhos de pelúcia, celular, revistas, esmaltes. Esfameada de carinhos e de pertences. Camila, menina-moça, dezessete anos na experiência e vinte e tantos no corpo.Sonhadora. Juízo de passarinho. Bobinha, bobinha.
Camila quer sapatos. Quer roupas. Quer uma noite na cidade. Camila quer viver.
Quer seu sonho de princesa, quer a lua bonita, quer que façam por ela o impossível e que a amem para todo o sempre, amém. Agora se revira sobre os lençóis, pensando em um certo par de olhos verdes, que normalmente vêm em um certo carro esporte. Os olhos verdes são só sorrisos na direção de Camila. São gentis e engraçados. Mas também são cheios de anseios que a carne tenra – mas intocada – de Camila não quer responder. Os olhos verdes vêm acompanhados de mil mãos que a menina mal consegue manter distantes. Se o pai soubesse...
Aqui ela ri. O que o pai faria, se soubesse? Mas o pai não sabe. Segredo guardado no peito e com as melhores amigas, apenas, o par de olhos verdes está seguro. Por enquanto.
Noite passada, no calor do meio do verão, Camila e o par de olhos verdes no banco traseiro do carro, os corpos suados lutando, invisíveis no lugar ermo. Um lutava pra se aproximar, outro pra se manter distante.
- Deixa.
- Não.
- Só um pouquinho.
- Não, já disse.
Nova investida, que a virtude de Camila suporta sem ceder, mas por um fio. Depois, ofegantes, os olhos verdes se amuam. Precisa de meia hora pra voltarem à disposição normal. E aí voltam ao ataque:
- Deixa.
- Não.
- Só um pouquinho.
O embate continua, sem sucesso dos olhos verdes. É a proverbial força irresistível que se choca contra o objeto irremovível. Até que o encontro acaba. Camila chega em casa de carona. Dá adeus aos olhos verdes. Antes de se separarem por aquela noite, ouve a proposta, acompanhada de um sorriso:
- Se deixar eu te compro aquele par de sapatos caros de que cê me falou.
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