sexta-feira, 11 de novembro de 2011

CONTOS DO FARRAZINE

CÍNTIA







Acordou numa cama estranha com uma estranha mais estranha ainda. Sua cabeça doía e os órgãos internos queixavam-se da noite anterior. A cabeça era o que mais doía. Gostava de pensar que a dor de cabeça era causada pelo crescimento do cérebro devido a um grande número de informações registradas na festa. Esse grande número de informações normalmente causa uma pane no sistema nervoso. Então você não lembra direito o que fez. E, de fato, você não usa o cérebro quando ele desliga. E é por isso que ele não se lembrava do nome da garota que dormia na cama.
Talvez ele nunca tenha sabido o nome dela. Questiona-se se ela sabe o seu nome. Muitos criticam esse estilo de vida. Dizem que não vale a pena se você não conseguir lembrar. Não se lembra do que fez na maior parte de 1994. E ele tinha quatro anos nessa época. E ele não bebia aos quatros anos. Claro que houveram exceções. Teve aquele restinho de cerveja num copo que ninguém sabia de quem era, no aniversário da tia Rita. Mas não era o suficiente para fazê-lo perder a memória. O que o incomodava era a tremedeira. Sempre tremeu. Até quando tinha quatro anos. Mas nos dias após a bebedeira ele tremia compulsivamente. Foi uma vez ao neurologista, que pediu um exame de sangue que ele não fez. Não fez porque tinha medo que também detectasse AIDS. Tinha medo do vírus do amor porque uma vez estava bêbado demais e não usou camisinha. Apesar de muitos falarem que ele não fez o exame pela sua fobia incontrolada de seringas. Não tinha problemas com agulhas. Tinha feito três tatuagens. Mas não suportava olhar para uma seringa. Apesar de ser a favor da liberação da heroína. As festas seriam melhores. A sobriedade era a pior parte da festa. Não. A ressaca que era. A sobriedade era passageira. E o ritmo dependia apenas de si mesmo. Já a ressaca parecia interminável. Quase tão interminável quanto o sono da garota anônima que acabava de acordar. Odiava essa parte. Ele queria ter sido esperto e ido embora antes dela acordar. Agora não sabe se espera até de noite. Se for embora após o almoço pode parecer interesseiro. Se for embora de noite pode parecer querer um relacionamento. Se for embora agora pode parecer grosso e acabar com tudo o que tenha possivelmente dito na noite anterior.

- Vou-me embora. Tenho que trabalhar. Qual o seu nome?

- É Carlos.

Texto publicado no Farrazine #20 que você pode baixar aqui ou ler online mesmo aqui

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