A regeneração do desconstruto por Carlos Panhoca
Não me lembro direito de como cheguei aqui. Lembro-me de ser um inteiro incompleto no começo da minha jornada. Abandonei-me aos poucos. Não conseguiria isso sem a ajuda de meus avôs. Sem eles eu nunca teria doado meu rim. E nunca largaria a venda que me impedia de ver o mundo. As dores que antes eu afogava começaram a me atingir. Cruzei várias fronteiras. Esperando que a humanidade mostrasse para o que veio.
Meus órgãos que filtravam preencheram minha televisão. Preguei meu cérebro no coração de Jesus. Deixei minhas pernas aos pés da montanha. Subi ao cume. Obtive a vista panorâmica. Alimentei os pássaros com meus olhos. Selei meu coração numa carta à NASA. Num ato de misericórdia, doei meu esqueleto e dei origem a uma nova espécie de minhocas estruturadas.
Abandonei o resto em algum lugar. Não me lembro como saí da montanha. Aqui estou. Ascendi aos céus. Encontrei-me frente a frente.
Por quê? Por que nos fez assim? Qual foi o nosso grande pecado?
Silêncio.
Não. Não, você. Você já não é mais o mesmo que eles. Você deixou sua natureza.
Diga-me o que sou. Diga-me você o que é.
Eu sou o criador, sou o onipresente.
E tu, o que és?
Eu sou o desconstruído, e sou presente em todos, mesmo não sendo onipresente.
Então você também é Deus.
Não. Não nasci para ser isso. Eu sou a ideia. Sou o fruto. O que te torna a mordida.
Por quê?
Porque você é a criação, e eu sou a desconstrução.
Mas você fez a gênese através da minhoca. Não. Eu dei o osso.
Ela fez a nave. Simetria bilateral e regeneração. São só conceitos. Conectou-se com a natureza. A natureza é o coma.
Canso-me disso. Você sabe porque veio até aqui.
Não, vim aqui pedir sua explicação.
Por que castiga-nos?
Não castigo a ninguém, nem você, nem a humanidade. Faço o que posso por eles, se dúvidas, tome o meu lugar.
Não posso. Eles são o que eu já fui. Assim como eles já foram a minha imagem e semelhança.
E como é o peso do mundo sobre as suas costas?
O mesmo de um atlas. Insignificante. Então aceito o seu lugar.
Mas você sabe o que vou fazer.
Sei.
E não vai tentar me impedir?
Se eles são o tumor, salve a criação máxima. Achei que eles fossem a criação máxima.
Não, eles lutam por terra e morrerão pela falta de sementes. Se essa é a sua vontade então eu ordeno: Frutos, parem de gerar sementes!
Era só uma metáfora, mas funcionará. Por que você não os descriou?
Não posso. Sou igual a eles. Então temo que seja hora de eu te levar também.
O tumor é a regeneração desenfreada. Adeus.
Olá, chama-se Adão. Você ainda é o primeiro de sua espécie. Dê-me um de seus anéis e farei uma fêmea para que vocês mantenham o seu legado. Como vocês querem ser chamados?
Seremos chamados de idéias.
Saiu no Farrazine 19 que você pode ler aqui
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